Comunicação: O Desafio Central do Desenvolvimento Humano e Organizacional
- Rafael P Fernandez

- 26 de mai.
- 4 min de leitura

No universo corporativo, poucas áreas enfrentam um desafio de comunicação tão complexo quanto o Desenvolvimento Humano e Organizacional (DHO). A raiz dessa complexidade reside na forma como percebemos o mundo e como nossas mentes constroem a própria realidade.
A Construção Subjetiva da Realidade
Neurologicamente, tudo que percebemos se traduz em estímulos que nosso cérebro converte em imagens mentais. É um processo tão intrínseco que mesmo pessoas com deficiências visuais severas são capazes de formar essas imagens a partir de sons, toques e cheiros, como comprovado por escaneamentos cerebrais que mostram atividade similar à de quem enxerga normalmente.
Isso nos leva a uma constatação fundamental: cada um de nós, literalmente, monta a sua própria realidade. E mais, nossa capacidade de julgamento é profundamente afetada por circunstâncias momentâneas, pela capacidade cognitiva individual e pelas memórias, uma falha humana bem detalhada no livro "Ruído", de Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass R. Sunstein. Como eles afirmam, "Onde há julgamento, há ruído – e mais do que você pensa."
O Desafio Único da Comunicação no DHO
Nenhuma outra área de suporte empresarial tem na comunicação um desafio tão preponderante quanto o DHO. Ele precisa, simultaneamente, "entender" o que realmente se passa com as pessoas e fazer-se entender por toda a empresa.
Se cada pessoa constrói sua realidade, a discussão eficaz só é possível sobre o que é tangível: os comportamentos percebidos e os comportamentos esperados. Por exemplo, independentemente de alguém "achar" que um gestor é "áspero", isso só se torna factual se existirem comportamentos observáveis que corroborem tal percepção. Da mesma forma, para que esse gestor se torne "menos áspero", a mudança deve ser confirmada por seu comportamento, não apenas pela sua autoconsciência. Como bem aponta um estudo longitudinal sobre práticas de gestão e mudança organizacional, "o comportamento de apoio à mudança é diretamente influenciado pela percepção das práticas de gestão de pessoas."
Além do Modelo Enciclopédico: A Estratégia do DHO
Essa complexidade distancia a boa prática do DHO das expectativas comuns e muitas vezes simplórias de gestores e colaboradores, que frequentemente se centram em atividades cognitivas "empacotadas" como treinamentos e comunicados informativos. Isso se deve, em grande parte, ao histórico associativo de desenvolvimento com a mera "informação", oriundo do modelo enciclopédico das escolas.
Diferente de áreas como finanças ou TI, que operam com elementos quantitativos que facilitam o diálogo, o DHO enfrenta o desafio de tangibilizar o comportamento humano e superar modelos mentais cristalizados. Isso o aproxima, de certa forma, das atividades de vendas, mas com um risco peculiar: ser efetivo não pelo entendimento comum do contexto e das soluções, mas pela capacidade de influenciar os envolvidos através de "sonhos comuns". Edgar Schein, em "Cultura Organizacional e Liderança", destaca que "a única coisa de real importância que os líderes fazem é criar e gerenciar a cultura." O DHO, ao atuar sobre o comportamento e a cultura, precisa ser um estrategista da comunicação.
Comunicação Integral para Engajamento Real
Isso implica que o DHO, em sua missão, não apenas é naturalmente estratégico para a empresa, mas também deve agir de forma estratégica para alcançar seus próprios objetivos. Essa postura se reflete na comunicação em todas as direções: não subestimar a capacidade dos profissionais envolvidos, nem assumir que compreenderão trivialmente os caminhos para atingir os objetivos. Como Frederic Laloux, em "Reinventing Organizations", argumenta sobre o futuro das organizações, o DHO se encontra entre dois desafios: evitar ficar preso a modelos mentais pré-concebidos que não refletem a realidade do comportamento humano e, ao mesmo tempo, manter-se próximo aos profissionais, que são o foco das mudanças esperadas.
Grande parte do sucesso do DHO depende não só de encontrar as soluções mais eficazes, mas também de garantir que a comunicação seja uma parte integral do processo, e não um elemento acessório. O distanciamento dos profissionais durante as mudanças pode comprometer seriamente a eficácia das ações propostas. É comum observar esse desengajamento quando os participantes de programas de desenvolvimento, em vez de enxergar essas iniciativas como ferramentas de crescimento profissional e organizacional, as interpretam como obstáculos a serem evitados. A transparência na comunicação é um dos pilares fundamentais para o engajamento dos colaboradores.
Conclusão: O DHO como Arquiteto da Compreensão
O DHO é o grande arquiteto da compreensão e do alinhamento dentro das organizações. Em um mundo onde a realidade é subjetivamente construída e o comportamento, por vezes, intangível, o papel do DHO em tangibilizar expectativas e comunicar estrategicamente é mais vital do que nunca. Não se trata apenas de informar, mas de engajar, inspirar e construir visões compartilhadas que motivem à ação e ao desenvolvimento contínuo.
Reflita sobre como sua organização está construindo essa compreensão. Sua equipe de DHO está equipada para decifrar a complexidade do comportamento humano e comunicar as estratégias de forma que todos se sintam parte da jornada? O futuro do desenvolvimento e do engajamento passa por uma comunicação que não apenas se faça entender, mas que verdadeiramente conecte realidades.
Para saber mais:
Representações mentais e deficiência visual: uma abordagem dos modelos mentais de Johnson Laird
Ruido - Uma falha no julgamento humano “Daniel Kahneman (Autor), Olivier Sibony (Autor), & 2 mais”
Associações entre práticas de gestão de pessoas e comportamento de apoio à mudança organizacional: um estudo longitudinal : Sonia Resende e Elaine Rabelo Neiva
Visão multidimensional e sistêmica do desenvolvimento organizacional : Revista de Estudos Interdisciplinares
Cultura organizacional e intangibilidade do comportamento- Edgar Schein.
Reinventing Organizations - Frederic Laloux
A Importância da Cultura e da transparência organizacional e seus Impactos no engajamento dos colaboradores: Leonardo Buzinhani de Carvalho; Luiz Fernando Estevam; Jacqueline C. de Oliveira Silva



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